quarta-feira, julho 12, 2006

ENTREVISTA PROFESSOR JOÃO PAULO, COORDENADOR TÉCNICO DISTRITAL DO FUTEBOL DE FORMAÇÃO DA AFCB


“Continuo a acreditar no futebol espectáculo”

Depois das boas prestações das representações distritais de sub-13 no Torneio de Santa Comba Dão, onde foi alcançado um 3º lugar, e dos sub-15 no Inter-Associações Lopes da Silva, com um meritório 11º posto, o professor João Paulo comenta aqui o actual momento do panorama do futebol jovem distrital. Segundo o seleccionador distrital, “apesar de ter havido evoluções nos nossos clubes ao nível do futebol de formação, continua a faltar aumentar a qualidade e a quantidade de treino”. E como refere, “os jovens aprendem a jogar, jogando, não é a correr, porque nós não treinamos atletismo…”.

“Os nossos clubes têm que proporcionar mais tempo de prática aos jovens”

Tribuna Desportiva- Os clubes do nosso distrito continuam a trabalhar bem na formação?
Prof. João Paulo- Nós, como responsáveis pelo gabinete técnico da Associação de Futebol de Castelo Branco, gostaríamos que as coisas ainda pudessem melhorar. Não há dúvidas que, em alguns clubes, se tem notado uma melhoria qualitativa nos trabalhos realizados. No entanto, pensamos que é necessário melhorar ainda mais. Podem perguntar: como? É necessário proporcionar aos jovens mais tempo de prática. Os jovens só evoluem jogando e precisam de praticar. Nós sabemos a importância que tinha, antigamente, o futebol de rua, porque era aí que os miúdos se iniciavam e acabavam por chegar aos clubes já com um background bastante bom. Hoje não há futebol de rua e têm que ser os clubes a dotar os jovens com o repertório motor necessário. É fundamental que os nossos clubes criem condições para proporcionarem aos nossos jovens mais tempo de prática de jogo. Temos que adequar o treino aos jovens. Há clubes que têm evoluído e já fazem um trabalho meritório, no entanto, de uma forma geral, eu penso que ainda há passos a dar. As infra-estruturas têm melhorado mas ainda têm que melhorar mais. Dou-lhe o exemplo do que é feito na Madeira e nos Açores. Os governos regionais têm feito uma aposta séria para que haja desporto para todos. A Madeira é uma potência onde todas as selecções treinam semanalmente no centro de treino da Madeira. Os Açores também estão a caminhar nesse sentido. O meu colega dos Açores disse-me há dias que, em termos de infra-estruturas, eles até já têm campos a mais. E isso nota-se. Há 4 anos atrás, quando defrontávamos equipas dos Açores só não sabíamos por quantos íamos ganhar. A qualidade de jogo daquelas equipas tem evoluído de uma forma extraordinária, porque há trabalho.
TD- É uma aposta desse género que faz falta em Castelo Branco?
Prof. JP- Em Castelo Branco e no interior, de uma forma geral.
TD- Sobre a questão da interioridade… acha que as diferenças existentes entre o litoral e o interior têm sido esbatidas nos últimos tempos?
Prof. JP- Têm sido esbatidas. Isso é notório pelos resultados dos últimos torneios. Há menos diferenças mas não é só porque as equipas do interior têm evoluído. Na minha opinião também tem havido um decréscimo de qualidade por parte das selecções mais fortes. E eu dou o exemplo do Porto. Este ano, no Torneio Lopes da Silva, o Porto apresentou uma equipa claramente mais fraca em relação aos últimos anos. Basta dizer que Lisboa ganhou na final ao Porto por 6-1 e podia ter acontecido um resultado ainda mais desnivelado. Eles tiveram dificuldades tremendas para ganhar a Portalegre e a Angra do Heroísmo. As diferenças foram esbatidas porque nós melhorámos mas ainda não tanto como desejaríamos. Para ser como nós gostaríamos, tem que se proporcionar tempo de prática, e de treino, porque os jovens hoje não podem treinar apenas 2 vezes por semana, e depois ainda há equipas e treinadores que proporcionam pouco treino específico. Nós temos que treinar o jogo. Nós não treinamos atletismo. O treino não pode ser correr… tem que ser jogar futebol. Organização defensiva, ofensiva, transições, isso é que é treino, porque é o que se faz no jogo.

“Há professores de Educação Física que nunca serão bons treinadores”

TD- Deixa aí uma crítica ao trabalho que é feito nalguns clubes, trabalho esse que não tem a melhor qualidade…
Prof. JP- Sim, garantidamente. Mas também temos que dizer que sentimos um esforço de todos os dirigentes e de todos os treinadores em quererem fazer melhor. Nós temos conhecimento de clubes que treinam com duas e três equipas no mesmo campo. Assim não há treinador que consiga fazer um trabalho de qualidade! Daí eu me referir à necessidade de termos melhores meios de treino. E depois também a qualidade dos agentes desportivos tem que ser melhorada. Temos que ter melhores treinadores, melhores dirigentes…
TD- Aqui pode enquadrar-se a questão do treinador/professor e professor/treinador. Acha importante ser um professor de Educação Física a treinar os jovens atletas? Até por uma questão pedagógica?
Prof. JP- Em termos pedagógicos o ser-se professor pode ser uma vantagem. Mas eu não vou por aí. Para se ser treinador de futebol não tem que se ser obrigatoriamente professor de Educação Física. Há bons treinadores que não são professores. Assim como não concordo que tenha que se ser ex-profissional de futebol para se ser um bom treinador.
TD- Um bom jogador nem sempre dá um bom treinador…
Prof. JP- Exactamente, assim como um bom professor nem sempre é um bom treinador, porque ser treinador requer vários factores: tem que ser um líder, tem que ser um gestor… Há professores de Educação Física, e eu assumo isto que vou dizer, até porque também sou professor de Educação Física, que não serão nunca bons treinadores de futebol. Mas em termos pedagógicos não tenho dúvidas que os professores têm vantagem porque conhecem as técnicas pedagógicas, metodológicas e didácticas que lhes dá uma certa vantagem.

“Quem tiver qualidade nos processos de jogo ganha mais vezes”

TD- Falando agora das selecções distritais que participaram recentemente em dois torneios, está contente com os resultados obtidos?
Prof. JP- Sim. Logicamente que somos pessoas ambiciosas e queremos sempre melhorar. Nós apresentámos, quer num torneio, quer noutro, uma boa qualidade de jogo, elogiada por todas as Associações presentes. E isso deixa-nos extremamente orgulhosos e muito satisfeitos. No Lopes da Silva foi um pouco criticada a forma das equipas jogarem, com um futebol muito directo, com muita preocupação no resultado. Mas foi dito por um coordenador técnico e por um técnico nacional que, apesar de tudo, havia equipas que se preocupavam em jogar bem, embora nem sempre conseguindo. E o exemplo que foi dado foi Castelo Branco. Aquilo que foi dito é que, querendo jogar sempre bem, havia ali lacunas técnicas que faziam com que nem sempre fosse possível a equipa jogar bem. E é com isso que nós temos que nos preocupar.
TD- Mas hoje em dia cada vez se privilegia mais o resultado do que a exibição, e isso viu-se inclusivamente no próprio Mundial da Alemanha…
Prof. JP- Mas eu continuo a acreditar e gosto da qualidade de jogo. Entendo que quem tiver qualidade no processo defensivo, no processo ofensivo e nas transições, vai ganhar mais vezes do que perder. Nós podemos ver que a Itália, que muitos dizem que tem uma maneira de jogar cínica, tem uma organização de jogo óptima, e a verdade é que marcam sempre mais golos que os adversários, e nós temos que reflectir sobre isso, apesar do Scolari ter toda a razão quando diz que as equipas que jogam bonito foram mais cedo para casa. Mas eu continuo a acreditar no futebol espectáculo e bonito porque se não também vamos tendo cada vez menos espectadores nos campos.
TD- O 3º lugar no Torneio de Santa Comba Dão em sub-13 foi provocado pela derrota no último jogo, frente à Guarda. Curiosamente se acontecesse uma vitória Castelo Branco ganhava o torneio…
Prof. JP- Eu considero o desempenho desta selecção brilhante. Nós fizemos apenas 5 treinos, e um deles foi de triagem. Apresentamos uma qualidade de jogo muito boa, porque nós, na selecção, limitamo-nos a definir o nosso modelo de jogo e a trabalhar na organização. Nós chegamos ao último jogo com a Guarda com a possibilidade de ganhar o Torneio. Acontece que contra Viseu fizemos um jogo a todos os níveis notável, posso dizer-lhe que foi dos melhores jogos que eu vi nesta categoria de sub-13. Esse jogo foi às 18.30 e no dia seguinte às 10 horas jogámos com a Guarda, que tinha descansado na jornada anterior. Logicamente aparecemos cansados, mas não tenho dúvidas que em termos de qualidade de jogo somos superiores à Guarda. Também não fomos felizes no jogo porque sofremos dois golos em dois erros defensivos típicos da idade, e a equipa não teve depois capacidade de resposta. De qualquer forma a nossa prestação foi magnífica.
TD- No Lopes da Silva, entre 22 distritos, Castelo Branco foi 11º, mas para além disso fica o mérito de ser o 1º dos não grandes…
Prof. JP- Se formos por aí temos que estar contentes pelo facto de termos sido a primeira equipa do interior, e todos nós sabemos que as assimetrias entre litoral e interior existem, quer em número de clubes, quer em número de praticantes, quer também nas condições que as próprias associações proporcionam. Mas nós temos que reflectir sobre os acontecimentos, e aí voltamos à qualidade do treino. Em termos de atitude os jovens foram exemplares. Nós não temos nada a apontar. Na organização defensiva estivemos muito bem, excepção feita ao jogo com o Algarve em que sofremos 3 golos que não podem acontecer. Em termos ofensivos não podemos, de forma nenhuma, estar contentes. A equipa teve dificuldades na transição defesa-ataque, especialmente no 1º passe. Temos que melhorar as qualidades técnicas dos nossos jovens, e para isso é preciso trabalhar. Criámos inúmeras situações de golo que não foram concretizadas, inclusive situações de um contra zero… várias no jogo com Évora e Bragança… e isso não é azar, porque nós não gostamos de falar em azar. É ineficácia que tem que ser ultrapassada com trabalho.

“Enquanto as nossas equipas jovens treinarem 2 ou 3 vezes por semana
não temos hipóteses de nos manter nos nacionais”

TD- Para terminar, continua a haver o sobe e desce das equipas jovens do distrito que vão aos nacionais… porque é que isto continua a acontecer?
Prof. JP- Por todos os factores que já enumerei. A Associação tem feito um esforço em tornar adequados os seus quadros competitivos. Sem uma competição adequada, e sem um quadro competitivo prolongado no tempo não conseguimos manter equipas nos nacionais. Nós tínhamos, até há poucos anos, equipas a jogar 4 ou 5 meses e depois estavam o resto do ano sem jogar. Assim não se conseguem criar jogadores de qualidade. E depois os outros factores são a qualidade do treino e o número de treinos. Enquanto treinarmos 2 ou 3 vezes por semana não temos hipóteses de ficar nos campeonatos nacionais. Nós vamos competir com equipas que treinam, no mínimo, 4 vezes por semana. É por isso que as nossas equipas descem sistematicamente.
TD- Nem no nacional da 2ª divisão de juniores as nossas equipas se conseguem manter…
Prof. JP- Mas eu acho que aí nós temos condições para ter equipas nesse escalão a lutar pela subida. Claramente que temos. Não tenho dúvidas sobre isso. Este ano, até as duas equipas da 2ª divisão desceram. Temos que reflectir sobre isso…
TD- Outro motivo de reflexão é o facto de termos campeões distritais que abdicam depois da subida de divisão…
Prof. JP- Esses são outros constrangimentos que nos deixam muito tristes. Mas eu também percebo o outro lado, porque também já lá estive. Falando do caso do Proença, eles têm vários jogadores que vão estudar para fora e cada vez há menos jovens, porque a desertificação do interior é uma realidade. Põe-se então um dilema: vamos para o nacional fazer o quê? Será que temos interesse em competir no nacional onde vamos ter sempre resultados adversos? Ou interessa-nos mais pôr os jovens a disputar novamente o campeonato distrital? Isto deixa-me triste, porque não é o caminho. O que eu acho é que temos que trabalhar tanto como os outros. As nossas equipas nos nacionais de iniciados, normalmente, conseguem manter-se. Mas mantemo-nos porque aqui ainda não há grandes diferenças em termos do número de horas de treino.
TD- Dos juvenis para cima é que já faz toda a diferença…
Prof. JP- Dos juvenis em diante é que já começa a haver uma diferença notória em termo de horas de trabalho. E depois é lógico que as nossas equipas não têm a mínima possibilidade de se manterem nos nacionais. É com alguma satisfação que eu sei que, no próximo ano, a equipa de juvenis do Desportivo de Castelo Branco que vai participar no Nacional já vai trabalhar 4 vezes por semana. Isso é o mínimo. Agora é preciso criar outro tipo de condições para que a equipa se consiga manter.
O professor João Paulo numa análise pormenorizada ao futebol jovem do nosso distrito. Segundo o coordenador técnico da AFCB “continua a faltar qualidade e quantidade de treino”. Uma opinião a ter em conta, principalmente por parte dos clubes que trabalham a arte de ensinar futebol aos nossos miúdos.

1 comentário:

Anónimo disse...

"E como refere, “os jovens aprendem a jogar, jogando, não é a correr, porque nós não treinamos atletismo…”."
Acho que sim! E também com uns cigarritos antes e após o treino, um adiar da saída do balneário para entrar no campo após aquela seca que é o aquecimento - falo do que observo ! -, esta moda do treinar sempre e só com bola é sem dúvida bem revelador do que a actual formação inicial dos profissionais de EF está a fazer!
Já agora o importante também é proporcionar às crianças e aos jovens toda a panóplia possível de feedbacks em linguagem que eles entendam e possam também desenvolver - o calão! - porque já se vê, a formação do jovem deve ser integral!
Correr! Que horror!
Trabalhar a condição física! Que horror!
Bola, bola e mais bola. Temos que cimentar os nossos 4º lugares! Decididamente o Futebol não é Atletismo! Se não já tinham ganho cento e oitenta e tal medalhas em JJOO, CM e CE!